O Senado iniciou a discussão de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que está gerando grande controvérsia. A chamada PEC das Praias é vista como um mecanismo para privatizar as áreas à beira-mar que pertencem à União. A proposta também inclui a regularização do Complexo da Maré, um conjunto de comunidades no Rio de Janeiro.
A polêmica aumentou após a atriz Luana Piovani e o jogador de futebol Neymar trocarem farpas nas redes sociais sobre a PEC. Neymar anunciou uma parceria com uma construtora para a construção de um condomínio à beira-mar, o que intensificou o debate.
O texto foi discutido em uma audiência pública no Senado e ainda está longe de ser analisado por comissões e pelo plenário. Após a repercussão negativa, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou que a matéria não está entre as prioridades de votação.
Atualmente, as áreas à beira-mar mencionadas na PEC são chamadas de terrenos de marinha. Essas áreas começam 33 metros após o ponto mais alto que a maré atinge, não abrangendo a praia e o mar, que permanecem públicos. Esses terrenos são utilizados principalmente por hotéis e bares. A União permite que pessoas e empresas usem esses terrenos mediante o pagamento de impostos específicos.
Com a PEC, os terrenos de marinha poderiam ser vendidos a empresas e pessoas que já ocupam essas áreas. Os lotes deixariam de ser compartilhados entre o governo e os ocupantes, passando a ter apenas um proprietário, como um hotel ou resort. Áreas ainda não ocupadas e locais de serviços públicos, como portos e aeroportos, permaneceriam com o governo.
Ana Paula Prates, diretora de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), explicou que o projeto pode "privatizar o acesso à praia, e não a praia em si", pois a parte utilizada pelos banhistas continuaria pública. No entanto, a proposta permite que uma empresa cerque o terreno e impeça a passagem dos banhistas na faixa de areia, situação já observada em alguns resorts.
O relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), argumenta que a PEC permitirá a transferência de 8,3 mil casas para moradores do Complexo da Maré e quilombolas da Restinga de Marambaia, aumentando a arrecadação de impostos e gerando empregos. Ele estima que a arrecadação para a União poderia chegar a R$ 42 bilhões de pessoas físicas, R$ 67 bilhões de pessoas jurídicas, R$ 1,7 bilhão do setor hoteleiro e quase R$ 24 bilhões do ramo imobiliário.
Por outro lado, críticos como o Painel Mar, uma plataforma que reúne sociedade civil e entidades governamentais, argumentam que a venda dos lotes é imprudente devido ao aumento do nível do mar. Dados da Universidade de São Paulo (USP) mostram que o mar está subindo cerca de 4 milímetros por ano. Eles destacam que a proteção dos mangues e restingas é crucial para enfrentar as mudanças climáticas, funcionando como barreiras naturais.
Além disso, estudos mostram que 40% da costa brasileira está em processo avançado de erosão. O cientista Carlos Nobre, especializado em aquecimento global, alerta que o mar pode subir de 80 cm a 1 metro até o final do século, tornando essas áreas impróprias para a privatização. Ele defende um plano a longo prazo para a retirada das comunidades ribeirinhas dos terrenos de marinha, devido ao aumento das marés e ressacas mais fortes.
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sustenta que a gestão tradicional das comunidades indígenas resulta em práticas de conservação sustentável que impedem a degradação ambiental e contribuem para a desaceleração das mudanças climáticas. Além de Flávio Bolsonaro, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) também defende a PEC, afirmando que ela fomentará investimentos em praias degradadas e criará empregos.
Atualmente, há 564 mil imóveis registrados em terrenos de marinha, e a União arrecadou R$ 1,1 bilhão em 2023 com as taxas de foro e ocupação. O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) estima que esse valor poderia ser cinco vezes maior se todas as construções não oficializadas fossem regularizadas.
Exemplos práticos, como o de Balneário Camboriú (SC), mostram que a privatização pode trazer problemas. A supressão de dunas e praias para construção resultou na diminuição da área de lazer e no sombreamento da praia. Em Atafona (RJ), o avanço do mar transformou a cidade em uma "cidade fantasma".
A PEC das Praias continua a gerar intenso debate, refletindo a complexidade de equilibrar desenvolvimento econômico e conservação ambiental.
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